Ex-auxiliares do general Augusto Heleno no Gabinete de Segurança Institucional (GSI) negaram, em depoimento ao Supremo Tribunal Federal (STF), atuação do ex-ministro em infiltração de agentes de inteligência nas campanhas presidenciais em 2022, na disseminação de informações para descredibilizar as urnas eletrônicas e também em medidas que pudessem atrapalhar a transição de governo no final daquele ano.
No total, oito pessoas prestaram depoimento, nesta segunda-feira (26), como testemunhas no processo em que Heleno é acusado de tentativa de golpe em 2022. Ele é réu junto com o ex-presidente Jair Bolsonaro no processo. Desde a semana passada, o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, conduz depoimentos com testemunhas indicadas pela acusação e pelas defesas dos réus.
Os depoimentos vão até o próximo dia 2 de junho e depois as defesas poderão produzir e apresentar provas de inocência para confrontar as acusações.
Heleno foi denunciado, principalmente, por causa de uma reunião ministerial em julho de 2022 em que falou em “virar a mesa” antes das eleições” e “agir contra determinadas instituições e contra determinadas pessoas” – na reunião, Bolsonaro conclamava os ministros a denunciar uma suposta fraude que ocorreria na disputa eleitoral para favorecer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
No final da reunião, Heleno relatou a Bolsonaro que teria conversado com o diretor-adjunto da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para infiltrar agentes nas campanhas eleitorais – o ex-presidente disse que conversaria em particular com o general sobre o assunto. A gravação da reunião virou prova no processo do golpe.
Testemunha diz que seria impossível infiltrar agentes em campanhas em 3 meses
Primeiro a depor, o oficial de inteligência Christian Perillier Schneider disse que seria legalmente e tecnicamente impossível infiltrar agentes em campanhas em três meses.
“Legalmente impossível e tecnicamente impossível. As práticas e técnicas que precisa para preparar [a inflitração] não se fazem somente em três meses. A Abin não teria capacidade técnica de fazer isso, porque não temos regulamentação da identidade funcional, não poderíamos usar documento diferentes para infiltrar”, disse, acrescentando que, no Brasil, a técnica não está regulamentada em lei e, portanto, é proibida.
“E nesse prazo não teria como fazer. Normalmente as infiltrações são preparadas. Serviço russo coloca no país por 10, 12 anos até poder colocá-lo como infiltrado. É uma técnica de alto risco”, completou depois o oficial de inteligência.
No depoimento, ele também disse que, em nenhum momento, Heleno o abordou sobre minutas de decreto, reunião, conversa ou participação em algum ato que viesse a concretizar um estado de exceção ou uma ruptura institucional.
Disse ainda que a Abin tinha um projeto para acompanhar “possíveis vulnerabilidades e ameaças” ao processo eleitoral, mas no sentido de obter informações que pudessem atrapalhar o andamento da votação, por exemplo.
“Não tinha nada a ver com vulnerabilidades de urnas eletrônicas. Nosso trabalho era identificar dentro do processo eleitoral obstáculos de eventos críticos. Obstrução de estradas que impedissem as pessoas de votar. Protestos que pudessem atrapalhar pessoas de votar”, esclareceu Schneider.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, perguntou a ele se a Abin também investigava desinformação no processo eleitoral – na investigação sobre a suposta tentativa de golpe, a Polícia Federal identificou oficiais de inteligência envolvidos na disseminação de ilações e suspeitas infundadas contra ministros do STF.
“A gente tinha acesso a panfletos, ou a mensagens em mídias sociais com desinformação sobre locais de votação, por exemplo. A gente não entrava em méritos de opiniões. Mas o que identificava que pudesse atrapalhar o bom andamento, a gente identificava”, disse o oficial de inteligência a Gonet.
Ex-chefe de Comunicação Social do GSI, o coronel Amilton Coutinho Ramos negou qualquer ordem de Heleno para descredibilizar as urnas eletrônicas em 2022. “O general é favorável ao voto impresso. Mas acatou a posição do Congresso, aguardou o relatório da Defesa, e aceitou o resultado das eleições”, disse o militar, em referência à rejeição da proposta na Câmara, em 2021, para implementar o voto impresso e à fiscalização das Forças Armadas que não encontrou fraudes na eleição de 2022.
Coutinho Ramos também disse que, após a reunião ministerial de julho de 2022, Heleno não deu qualquer orientação ou determinação, dentro do GSI, sobre urnas eletrônicas ou sobre o processo eleitoral. Disse que, na época, a reunião “passou despercebida” dentro do GSI.
“Fomos tomar conhecimento na mídia. A partir do dia 6 de julho até 31 de julho, nada que foi depois divulgado daquela reunião foi abordado comigo. Não teve acabativa no GSI. Não teve determinação a qualquer assessor, que fizesse algum planejamento para cumprir o que falou naquela reunião. Em relação à agenda, nunca vi nem compartilhou comigo. Foi outro assunto que tomamos conhecimento quando levantou sigilo. Esse assunto de agenda ou da reunião não foi tratado pelo general Heleno no GSI”, disse.
Secretário-adjunto de Heleno no GSI, o brigadeiro Osmar Lootens Machado afirmou, no depoimento, que não houve percalços na transição para o novo governo dentro da pasta. “A orientação é que para que procedêssemos a transição normalmente”, disse.
Ex-ministro afirma que Bolsonaro sempre o orientou a agir “dentro das quatro linhas”
Ex-ministro da Saúde de Bolsonaro, o médico Marcelo Queiroga também foi chamado para depor como testemunha de defesa de Heleno e confirmou que a transição de governo, em sua pasta, ocorreu normalmente.
“Quando o presidente Bolsonaro fez pronunciamento no Alvorada, determinou que Ciro Nogueira, chefe da Casa Civil, deflagrasse o processo de transição”, lembrou Queiroga. “Me senti muito à vontade para passar informações”, disse, acrescentando que se reuniu, à época, com o atual ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e com os ex-ministros da pasta Humberto Costa, senador pelo PT, e Arthur Chioro.
Queiroga disse ter participado da reunião de julho de 2022, na qual Bolsonaro ordenou que os ministros do governo denunciassem uma possível fraude nas eleições, mas disse que não se lembra de ter tratado, na ocasião, sobre “ruptura” ou “tentativa de golpe”.
“Não, não me lembro de ter se tratado nada nesse sentido. Bolsonaro sempre nos orientou a agir dentro da Constituição, dentro das quatro linhas”, afirmou Queiroga.
O ex-ministro da Saúde disse que, em novembro e dezembro de 2022, visitou Bolsonaro no Palácio do Planalto e no Palácio da Alvorada – nessa época, segundo a PGR, o ex-presidente teria discutido com militares uma intervenção no processo eleitoral. Queiroga disse que o ex-presidente estava triste por causa da derrota para Lula, mas “superou aquela fase”. “Já no final estive com ele no Alvorada, mas tudo dentro de ambiente de normalidade”, disse.
Na sessão de depoimentos, outros ex-auxiliares de Heleno negaram ter ouvido dele qualquer conversa sobre alguma minuta de decreto para intervenção no processo eleitoral, ou de reunião para tratar de medidas de exceção ou ruptura institucional.
Também disseram que o general não politizou o GSI e manteve na pasta servidores que já haviam trabalhado em governos anteriores, dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Dilma Rousseff e Michel Temer. Alguns disseram que, a partir da segunda metade do mandato, Bolsonaro reduziu as reuniões com Heleno.
Falaram nesse sentido o general Carlos José Russo Penteado, ex-secretário-executivo do GSI; o capitão Ricardo Ibsen Pennaforte de Campos, ex-chefe de gabinete; o general Antonio Carlos de Oliveira Freitas, ex-diretor de segurança da informação; e o coronel Valmor Falkemberg Boelhouwer, ex-assessor parlamentar do GSI.
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